Por Hugo Jorge (texto), Ana Brígida (fotos).
Nascido no Barreiro, passou a adolescência entre Lisboa e Paris, seguindo as pisadas do pai, até que aos 16 anos decidiu regressar definitivamente a Portugal. O pretexto foi o futebol (esteve perto de tornar-se profissional) mas a música acabou falando mais alto. “Segue o teu instinto”, disseram-lhe os pais. E assim foi. Hoje, Jimmy é dos artistas independentes com mais sucesso em Portugal e uma presença quase obrigatória em muitos dos festivais deste último Verão.
“#1″ foi o disco de estreia, o primeiro de uma trilogia. Lançado em Dezembro de 2013, o álbum não chegou a Angola. Pelo menos por enquanto, já que Jimmy P está a preparar uma viagem a Luanda para o início do próximo ano. Lançar o segundo álbum (#2 previsto para o início de 2015) e dar um grande concerto na capital angolana são os objectivos.
Passas a adolescência entre Lisboa e Paris, seguindo a carreira de futebolista do teu pai. Por outro lado, transportas uma raiz angolana que vem desde os teus avós. Todos esses ambientes acabam por projectar-se na tua música?
Durante toda a minha vida estive em contacto com pessoas das mais diversas nacionalidades e culturas. Logo na adolescência através dos colegas de profissão do meu pai, que vinham de toda a parte e não tinham nada a ver comigo. Também vivi muito tempo em Paris, uma cidade multicultural onde conheces gente dos quatro cantos do mundo. E, claro, a minha família, quase toda emigrante. Tudo isso fez de mim o artista que sou e a minha música inevitavelmente reflecte essa diversidade.
Trocaste uma carreira no futebol pela música. Quando é que percebeste que as rimas e as batidas eram um assunto sério?
Precisamente quando tentei tornar-me num profissional de futebol. Foi curioso porque fui viver para o Porto com 16 anos para jogar. Até podia ter assinado contrato porque levava jeito para a coisa, mas não quis. Ao mesmo tempo, passava de um ávido ouvinte de hip-hop para um praticante, quando apercebi-me que tinha apetência. Acabei por desistir do futebol, informei os meus pais, e passei a dedicar-me somente à música.
Esse espírito de “fazer o que quero”, herdaste-o do teu pai?
Isso foi uma coisa que os meus pais sempre me incutiram. Eu tenho a sorte de poder fazer o que gosto e ganhar dinheiro com isso. Estou falar de algo que me faz sentir totalmente pleno e satisfeito. Portanto, se não queres ter uma vida das 9 às 5, sem julgar ou criticar ninguém, até porque já tive um trabalho desse tipo, então deves e és obrigado a perseguir aquilo que te faz feliz. Foi isso que os meus pais sempre defenderam: segue o teu instinto. Precisamente por isso é que deixei Paris e meti na cabeça que ia ser jogador de futebol.
O teu primeiro contacto com a música surge num ambiente familiar. A família é ainda hoje uma das tuas inspirações?
A família é um dos elementos mais presentes na minha música. Infelizmente não tenho a sorte de viver perto dos meus pais há pelo menos dez anos. Não os tendo por perto, factores como harmonia ou união são inevitavelmente transportados para junto das pessoas com quem trabalho e para junto de quem me ouve. É tipo um feeling ou um sentimento que tento transmitir, o que acaba por reflectir-se na minha música.
“O Paulo Flores é de longe o artista angolano que mais gosto”
Vais com alguma regularidade a Angola. Fazes questão de manter essa ligação com as tuas origens?
Claro, aliás há dois grandes sonhos que gostaria de concretizar e ambos passam por Angola. Um deles é poder fazer um grande concerto em Luanda e o outro é gravar um CD com o Paulo Flores, de longe o artista angolano que mais gosto. Comecei a ouvi-lo quando era muito novo, através dos CD do meu pai, e mais tarde, por iniciativa própria, a descobri-lo melhor. Bastava-me sentar e trocar umas ideias. Acho-o absolutamente genial.
Também já partilhaste a intenção de actuar em Cabo Verde e Moçambique. Sentes que representas uma identidade lusófona?
A partir do momento em que falamos todos a mesma língua… Neste mundo não faz sentido fechares-te sobre ti próprio e não procurares fazer essas pontes. Para além disso, sinto que tem havido uma procura maior pela minha música e a fan base está a crescer para além de Portugal – o Facebook é o barómetro ideal para perceber isso. Recebo imensas mensagens de Moçambique, Cabo Verde e sobretudo Angola.
Tens planeada alguma coisa para esses fãs?
Se tudo correr bem vamos no dia 3 de Janeiro [2015] para Luanda, durante um mês. Tenho tido imensas pessoas a pedir-me para ir e vender os meus discos. Neste momento estamos a equacionar uma parceria com o MCK para viabilizar essa intenção. A ideia passa por lançar lá o meu segundo disco e quem o comprar recebe gratuitamente o meu primeiro álbum ["#1"]. Estamos também a tentar perceber se conseguimos fazer um concerto em Luanda.
Segues o hip-hop angolano? Que opinião tens?
Acompanho vários artistas: o Dji Tafinha, o MCK, o NGA. E, claro, o Ikonoklasta com quem já tive oportunidade de trabalhar. Não me posso esquecer do Conjunto da Ngonguenha e aí preciso de fazer referência ao Keita Mayanda, um dos melhores letristas do hip-hop angolano. Esta malta vende porque em Angola consome-se muita música nacional: tens artistas a vender quatro mil discos num dia, enquanto que em Portugal levas um ou dois anos para atingir esses números. Em Angola, o hip-hop tem qualidade e acima de tudo potencial por onde crescer.
Depois do regresso a Portugal, a tua primeira participação numa música é em francês. Ainda não estavas à vontade com a língua portuguesa?
Estava no Porto há apenas nove meses e conheci os Expensive Soul por acaso. Cruzámo-nos num estúdio e eles gostaram daquilo que eu estava a fazer. Acordámos uma colaboração [“Sente o meu groove”] em que canto em francês. Eu fiz toda a minha alfabetização em França, embora falasse português em casa. Na altura, ainda não me sentia suficientemente à vontade para fazer música em português. Não conseguia ter o swing e o ritmo que procurava. Durante um ano, um ano e meio, fiz tudo em francês. Depois saltei para a escrita e a melodia em português.
Cresceste em França, o berço europeu do hip-hop e do rap intervencionista. Tens como referências artistas como os Fugees ou o Nas, que têm letras com conteúdo assumidamente social e político. Enquanto os ouvias na tua adolescência revias-te nessas mensagens?
Primeiramente foi por uma questão estética, porque comecei a ouvir essas bandas quando tinha 12, 13 anos, e então não tinha sequer mentalidade para perceber muitas das coisas que eles estavam a transmitir. Estética no sentido de serem essas as bandas que a minha geração consumia.
O rock também fez parte da tua adolescência.
Tu tinhas três grandes fenómenos em Paris: o hip-hop, o R&B e, durante algum tempo, o grunge, tocado por nomes como Nirvana, The Offspring ou The Cranberries. Ou seja, eu e os meus amigos ouvíamos um pouco de tudo. No caso do grunge, cantado em inglês, aí sim foi mesmo uma questão estética porque os franceses não são conhecidos por serem propriamente bons falantes e entendedores de inglês.
Foi por isso que te tornaste um rapper?
Exactamente. No momento em que me defini como músico, aí sim, a mensagem teve importância. E o rap é sem dúvida uma forma de comunicar, mais do que outro estilo qualquer e em proporções maiores. Transmitir os valores que te definem como pessoa… o rap é isso e eu acho que consigo fazê-lo bem.
O Chullage criticou há pouco tempo a falta de oportunidades de trabalho para descendentes africanos. Dentro do vosso meio, já lidaste com esse tipo de situação?
Conheço situações de discriminação, mas prefiro falar apenas no meu caso e aqui tenho que ser um bocado radical. Eu vivo na cidade do Porto há 10 anos, onde a comunidade africana não é muito grande. Se à partida o factor descriminação estaria muito mais presente, desde que lá estou tudo a que me propus fazer, consegui. A minha carreira é claramente um exemplo que a raça acaba por ser um bocado irrelevante. Se o que tu fazes tem qualidade e se as pessoas ouvem, então o teu trabalho acaba por falar mais alto do que tudo o resto. No fim, é sempre a obra e não o artista que fica.
Olhando para o hip-hop português, o positivismo e bem-estar de que és apologista nas tuas letras contrasta com um estilo que mais facilmente rima com conflitos e violência. Por que sentiste essa necessidade em demarcares-te?
O fenómeno da massificação do hip-hop em Portugal é recente. Até agora não tinhas muitos artistas que chegassem às massas – o chamado mainstream. Tirando o Boss AC ou os Da Weasel, não me lembro de outros. A falta de profissionalização e interesse de alguns artistas, que não percebem nem querem perceber como funciona o mercado mas ao mesmo tempo almejam chegar ao topo, gera toda essa negatividade – e isso não é saudável. As pessoas quando consomem música alimentam-se sobretudo da energia que tu emanas. Eu não acredito que alguém esteja disposto a ouvir 24 sobre 24 um gajo que é negativo, que limita-se a promover negatividade. Pessoalmente, gosto de ouvir coisas que sejam revigorantes, que me façam sentir bem e, acima de tudo, fazer da música uma boa companhia em todos os momentos do meu dia. Não quero ouvir uma coisa perniciosa para o meu estado de espírito.
“O hip-hop é sinónimo de liberdade, de poderes exprimir-te como quiseres”
Isso não dilui em parte a função interventiva do hip-hop?
De todo, essa é uma premissa errada. O hip-hop é sinónimo de liberdade, de poderes exprimir-te como quiseres. Claro que, na sua essência, é uma música de contestação e intervenção social. Mas também é mais do que isso: é festa, bem-estar, diversão, entretenimento, enfim, positividade. Tem de haver um equilíbrio. Se tu és negativo tens de ter um bom motivo. E não chega apontar o dedo, tens que apresentar soluções ou pelo menos ser construtivo nas críticas.
Portanto, não concordas com o chavão muitas vezes aplicado à música em que qualquer produto comercial é sinónimo de perda de originalidade e independência?
Para mim, isso é um não assunto. Eu sou um artista indie e underground, no entanto sou comercial, isto é, tenho dimensão enquanto artista. Agora não faço música propositadamente para ser ouvida. Isto é orgânico. Não se pode julgar a música por ela ser comercial ou não. Não convém meter esses rótulos porque isso não define de todo o que é a música.
Mas reconheces que o sucesso acarreta riscos, no sentido de ameaçar a identidade de um artista?
Definitivamente. Essa é inclusivamente uma realidade na indústria musical. Se tens uma pequena empresa que produz um produto de qualidade e queres fazê-lo chegar a mais gente – produzi-lo em maior quantidade – então é provável que percas alguma qualidade. Mas quando aquilo que fazes é orgânico e natural, à partida não tens nenhum motivo para perder esse aspecto qualitativo da tua música. Agora, foi o que disse há pouco, é uma questão de motivação. Se o que te faz estar aqui não é, primeiramente, a música é, por exemplo, o dinheiro, então aí podes perder muito daquilo que és.
Tentas trazer contigo uma nova imagem para o hip-hop?
Aqui em Portugal, e sendo isto um fenómeno recente, há muita falta de informação. Desde os média, que têm um certo preconceito em relação aos rappers, aos próprios artistas que, muitas vezes, não sabem falar. É preciso perceber que no universo do hip-hop, à semelhança de outros géneros musicais, tu tens um pouco de tudo: desde iletrados a intelectuais. No fundo, isto é um movimento e, como tal, há uma responsabilidade colectiva perante o público: é preciso levar isto a sério. E nesse sentido tenho feito a minha parte.
O projecto # mantém-se?
O # (cardinal) começou em Dezembro de 2013, com o lançamento do “#1″. A ideia inicial seria a de lançar três álbuns em três anos, todos no dia 9 de Dezembro. Mas não acredito que consiga acabar o meu disco até Dezembro. Provavelmente sairá em Fevereiro ou Março, mas é o projecto # na mesma.
Que balanço fazes da tua carreira até agora?
Não escondo o meu sucesso. Durante estes últimos meses fui a sítios onde nunca tinha estado, onde não sabia se iria ser reconhecido, e encontrei uma multidão a cantar de cor as minhas letras. Há um feeling crescente porque as pessoas ligam-se emocionalmente aos meus sons. Antes de ser um músico sou uma pessoa e essas experiências e histórias que canto parecem gerar um sentimento de identificação no público. Esse lado mais intimista reflectiu-se no meu último álbum “#1″ mas no meu próximo disco provavelmente haverão outras temáticas, já que a minha vida agora é completamente diferente do que era há uns anos atrás. E ainda bem.
Veja o novo vídeo de Jimmy P., com Valete e o DJ Ride como convidados: